Procedimento visa corrigir a situação em que os testículos do bebê não descem para a bolsa testicular
A criptorquidia, também chamada de testículo não-descido, é a situação em que um ou ambos os testículos NÃO se encontram no interior da bolsa testicular ao nascimento. A cirurgia de criptorquidia, ou orquidopexia, é um procedimento cirúrgico que posiciona e fixa o testículo no escroto, garantindo assim seu pleno desenvolvimento.
O ideal é que as crianças com a condição sejam submetidas à cirurgia de criptorquidia antes de completarem dois anos de idade, evitando prejuízo ao sistema reprodutor e à aparência genital. A intervenção também visa a preservar a função hormonal dos testículos, bem como a capacidade reprodutiva do indivíduo. É importante que, ao nascer, a criança já seja avaliada para a possibilidade de criptorquidia, e a evolução do quadro deve ser observada.
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Índice
Entenda o que é a criptorquidia
A criptorquidia acomete cerca de 44% das crianças prematuras, mas apenas em 4% das nascidas a termo (no tempo certo). Existe uma explicação lógica para isso, e é essa explicação que fundamenta a primeira conduta em uma criança que nasceu com testículo não-descido: simplesmente ESPERAR.
Visando a simplificar a explicação sobre todo o processo de formação testicular durante o desenvolvimento intrauterino, podemos dizer que os testículos se formam no interior do abdome da criança, e, durante todo o período de crescimento intrauterino. Esses testículos realizam o processo de migração testicular, que nada mais é que o seu deslocamento do interior do abdome para o interior da bolsa testicular (fora do abdome), de maneira que, no nascimento à termo, esperamos que ambos os testículos estejam no escroto.
É importante lembrar que a passagem dos testículos do interior para o exterior do abdome ocorre através de uma comunicação chamada de canal inguinal, e que essa comunicação se fecha após a passagem do testículo. Permanece no interior desse canal somente o funículo espermático, que é o conjunto de artérias, veias e nervos que suprem o testículo, além do ducto deferente, conduto que carrega os espermatozoides produzidos pelos testículos. Curiosamente, a falha no fechamento dessa comunicação é o princípio de vários outros problemas urológicos que acometem as crianças.
A migração testicular não é um processo contínuo, mas ocorre em etapas, de maneira que o testículo permanece parado no interior do canal inguinal entre a 32ª a 35ª semana de gestação, completando a sua migração somente após esse período. Por isso, existe a maior incidência de criptorquidia em crianças prematuras (nascem antes das 37 semanas de gestação), justificando a conduta inicial de apenas esperar. Existe uma chance enorme do testículo finalizar a sua migração com o tempo. No entanto, é nesse momento que surge a grande pergunta dos pais: quanto tempo iremos esperar?
Quanto tempo esperamos a migração espontânea do testículo?
Iremos esperar a criança atingir 6 meses AJUSTADA. No primeiro momento parece simples, mas é importante explicar. O termo “ajustada” refere-se ao tempo necessário para a criança atingir 6 meses, caso tivesse nascido a termo (com 37 a 42 semanas de gestação). Acompanhando um exemplo ficará mais fácil de entender o que isso significa:
Durante o pré-natal, quando os obstetras calculam a data provável do parto (nascimento a termo), essa data é determinada pelo dia em que a gestação atingiria 40 semanas. No nosso exemplo, consideremos que a criança que nasce com 40 semanas está no termo (na prática consideramos termo a criança que nasce após a 37ª semana de gestação). Nesse sentindo, se uma criança com testículo não-descido que nasceu com 32 semanas de gestação, ainda faltariam 8 semanas (cerca de 2 meses) para ela atingir o termo.
Dessa forma, quando essa criança estiver com 6 meses, ela ainda estará com 4 meses ajustada, porque ela nasceu 2 meses antes do prazo. Por isso, temos que adicionar esses dois meses ao tempo que aguardaríamos o término da migração testicular, ou seja, aguardaríamos ela atingir “8 meses” de idade ajustada, para então definirmos que o testículo não terminará essa migração sozinho.
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Quais são as causas dessa alteração?
A medicina ainda não conhece a causa específica da criptorquidia, mas há indícios de que tenha relação com alterações genéticas, deficiências hormonais do bebê, fraqueza ou ausência dos músculos abdominais. O problema também pode estar relacionado a fatores maternos, tais como obesidade, diabetes gestacional, tabagismo e idade avançada ao engravidar. O nascimento prematuro, baixo peso do recém-nascido, paralisia cerebral e síndromes específicas também podem favorecer a ocorrência da alteração da descida do testículo.
Diagnóstico e possíveis complicações
Quando nos deparamos com uma criança com testículo não-descido, que já aguardou o tempo de migração espontânea, e ainda assim o testículo não está na bolsa, algumas perguntas vêm à nossa cabeça. As duas mais importantes são:
- Essa criança, de fato, tem testículo?
- Se tem testículo, onde ele está — dentro ou fora do abdome?
As respostas para ambas as perguntas determinam todos os próximos passos. Primeiro, porque existem situações em que, ou o testículo NÃO é formado durante o desenvolvimento intrauterino, condição que chamamos de agenesia testicular, ou o testículo até se forma, mas, por uma torção ou trombose intrauterina dos vasos que o irrigam, ocorre uma atrofia do mesmo, situação que é denominada de testículo evanescente, síndrome da regressão testicular ou vanishing testis.
Dessa forma, se NÃO existe testículo, nossa preocupação deixa de pairar sobre o testículo ausente, passando a estar sobre o testículo presente (isso no caso de somente um dos testículos estarem ausentes). No caso de os dois testículos NÃO existirem, teremos preocupações muito maiores, como a necessidade de reposição hormonal, colocação de prótese testicular e outros.
Por outro lado, tendo em mente que o testículo se forma dentro do abdome e ele migra para fora do abdome, quando existe criptorquidia, existe a possibilidade do testículo se localizar dentro do abdome — cerca de 33,3% das vezes — ou fora do abdome (cerca de 66,7% das vezes). Dessa maneira, é fácil perceber a importância de responder àquelas perguntas para, então, propor o melhor tratamento. No entanto, antes de discorrer sobre as formas de respondermos essas perguntas, é imperioso que discutamos os motivos pelos quais precisamos fazer com que o testículo permaneça dentro da bolsa testicular.
Inicialmente, precisamos saber que o testículo é um órgão especial, pois necessita de um ambiente apropriado para se desenvolver adequadamente, isto é, com temperatura ao redor 1°C menor que o restante do corpo. Esse ambiente é o interior da bolsa testicular, porque esse local proporciona um melhor controle térmico, pois projeta o testículo para fora do corpo quando está muito quente, ou o recolhe, quando está muito frio (vemos isso, claramente, quando entramos em uma piscina com água bem fria ou estamos em uma sauna, por exemplo). (FOTO de testículo com calor)
De maneira simples, os testículos têm a função de produzir espermatozoides e alguns hormônios, dentre os quais o mais conhecido é a testosterona. Caso não se desenvolva bem, haverá um prejuízo na espermatogênese (produção de espermatozoides), dificultando ou até inviabilizando a fertilidade. Também não ocorrerá a produção adequada de testosterona, prejudicando todo o desenvolvimento masculino, desde a puberdade até amadurecimento saudável. Além disso, pode ocorrer o extremo de ocorrer atrofia testicular completa ou mesmo a sua malignização, isto é, surgir um câncer de testículo.
O exame mais simples e eficaz para a identificação do testículo é o exame físico. Com ele, em grande parte das vezes, conseguimos sentir o testículo não-descido na região inguinal, estimar seu volume e consistência. No entanto, algumas vezes é bastante difícil senti-lo durante o exame físico.
Nessa situação, ainda ficamos com a dúvida: será que o testículo está na região inguinal e NÃO consegui senti-lo, ou o testículo está dentro do abdome, ou ainda, será que o testículo NÃO existe?
Dessa forma, o próximo passo é solicitar um exame de imagem. Inicialmente, o ultrassom doppler de testículos e região inguinal bilateral oferece informações fundamentais, pois consegue ver muito bem se o testículo está na região inguinal, mesmo não sendo palpável. Porém, esse exame não consegue avaliar adequadamente testículos intra-abdominais, apesar de, em alguns casos, conseguir mostrá-los.
Caso o ultrassom não localize o testículo na região inguinal, ainda permanecemos com a dúvida: será que o testículo está dentro do abdome ou ele não existe? Nesse momento, temos duas opções de investigação, mas apenas uma tem o selo de “padrão-ouro” para o diagnóstico de testículo intra-abdominal.
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A laparoscopia diagnóstica é o melhor exame para a avaliação de testículos intra-abdominais. É feito somente em centro cirúrgico, com anestesia geral, mas tem a vantagem de possibilitar o tratamento, caso o testículo seja identificado no interior do abdome. Por outro lado, existe a ressonância magnética de abdome, que tem a vantagem de ser menos invasivo, por não ser uma cirurgia, mas a desvantagem de, muitas vezes, necessitar de sedação e, caso não identifique o testículo no abdome, ainda assim, teremos que fazer a laparoscopia diagnóstica.
Tratamento da criptorquidia
O tratamento de escolha para o testículo não-descido é a cirurgia de criptorquidia. No entanto, é muito importante que seja aguardado o tempo para a descida espontânea, antes de realizar a operação.
Por tratar-se de desenvolvimento de um órgão, é lógico pensar que quanto mais rápido colocarmos o testículo no escroto, melhor. Por isso, o prazo atualmente considerado como ótimo para se fazer o procedimento é até os dois anos. Obviamente, se o diagnóstico da criptorquidia for realizado com a criança maior (e isso não é incomum), não significa que o procedimento não terá um bom resultado, ou não será possível fazer a cirurgia, mas sim que existe uma chance maior de que testículo esteja atrofiado ou não tenha um bom funcionamento no longo prazo.
Antigamente, tentou-se realizar um tratamento hormonal para o testículo não-descido, pois acreditava-se que a fisiopatologia desse problema fosse, exclusivamente, a falta de hormônios durante o desenvolvimento intrauterino. No entanto, uma série de estudos mostrou a ineficácia dessa abordagem, de maneira que, atualmente, NÃO é indicado o tratamento hormonal para tratamento de criptorquidia. A melhor opção de tratamento é a cirurgia de criptorquidia, também chamada de orquidopexia.
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Como é feita a cirurgia de criptorquidia?
A intervenção cirúrgica para correção da criptorquidia consiste basicamente no reposicionamento do testículo, levando-o ao seu local correto. No entanto, a forma de se realizar a cirurgia varia segundo o local em que o testículo se encontra.
Independentemente da técnica escolhida para realização da cirurgia de criptorquidia, a intervenção é sempre realizada com anestesia geral, associada ao bloqueio sacral, que nada mais é que um tipo de anestesia peridural específica para crianças. É válido ressaltar a importância de a anestesia ser realizada por um anestesista experiente no cuidado de crianças, porque existem diferenças imensas entre a anestesia de um adulto e uma criança. Além disso, antes da cirurgia, é fundamental uma avaliação das comorbidades associadas da criança, a fim de direcionar os exames pré-operatórios que devem ser solicitados.
No caso de testículos palpáveis, a cirurgia de criptorquidia é realizada por acesso inguinal, para que o testículo e cordão espermático sejam liberados das estruturas que estão ao redor deles, com o objetivo de alcançarem o escroto, sem a necessidade de tracionar o cordão. Após essa liberação, é confeccionado um espaço no interior da bolsa testicular, chamado de espaço subdártico, para fixação do testículo.
Por outro lado, nos casos de testículos intra-abdominais o procedimento é bem diferente. A primeira diferença é que a localização dos testículos no interior do abdome é realizada por meio da laparoscopia (via de acesso minimamente invasivo, em que uma pequena câmera é inserida no abdome). Após a identificação do testículo, fazemos a secção dos vasos gonadais (primeira etapa da cirurgia), e somente após 6 meses é que levamos o testículo até o escroto, mas, dessa vez, utilizando um acesso combinado, laparoscópico, para o abdome, e convencional, para o escroto. Essa técnica de cirurgia é conhecida como Fowler-Stephens. No entanto, há quem faça essa cirurgia em um único tempo, mas com maiores chances de atrofia testicular, por um déficit de irrigação sanguínea no testículo.
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Recuperação da cirurgia e cuidados
A recuperação da cirurgia de criptorquidia é rápida, e o pós-operatório, normalmente, não causa grande incômodo no paciente, especialmente nas crianças de colo. O uso de analgésicos simples consegue retirar qualquer desconforto que eventualmente apareça.
Habitualmente, as crianças recebem alta no mesmo dia da cirurgia, com retornos no consultório para acompanhamento da cicatrização e revisão dos cuidados com a ferida operatória. Não há necessidade de retirada de pontos, pois são empregados fios que o corpo absorve, de maneira que a cicatriz é discreta e quase imperceptível no longo prazo.
Não existe recomendação de restrição de atividades baixa intensidade, como andar ou brincadeiras leves. Porém, atividades de impacto precisam ser evitadas, pelo menos nas primeiras 3 a 4 semanas da cirurgia, para que o processo de cicatrização ocorra adequadamente. Além disso, é imprescindível o acompanhamento ao longo do tempo, especialmente para acompanharmos o desenvolvimento e vascularização testicular.
Fontes:
Sociedade Brasileira de Urologia